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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Mudanças e as Estrelas, As



                Deitei sobre o gramado verde, que logo no início já me dava indícios de que no final eu sairia com bastante coceira e alergia. Mas, mesmo assim, valeria a pena sofrer um pouco apenas para avistar o marinho daquele céu de noite, com brilhantes estrelas que aparentavam ser de prata, e piscavam como luminárias.
                O tempo passou, pensei. E realmente havia passado: Lá estava eu, com os meus vinte e um anos, com duas faculdades trancadas, um emprego de contrato temporário, mudando-se de casa em casa, fugindo da calmaria de uma cidade interiorana para o bate cabeças que era o centro de São Paulo. Deixei mãe, pai, irmãos, Kyara – minha cadela – e todos os meus amigos de infância. Os melhores, os piores, os meios-termos, as amizades coloridas, as preto e branco, o cabelereiro da esquina, o campinho de futebol, a quadra da escola – e a escola onde estudei... Enfim, deixei a minha infância. Minha vida.
                Enquanto observava as estrelas, as mais brilhantes, vagava no tempo e espaço procurando uma resposta para muitas das minhas decepções: As histórias, os contos, os romances que antes escrevia, e as ideias que antes eu tinha, haviam se dissipado. Talvez devessem estar no espaço, perto das estrelas. Mas eu não as culpava.
                Eu também não me culpava. Fazia tempo que não assistia mais a filmes de terror. Os meus livros estavam guardados a sete chaves, como se fossem tão importantes para mim que nem mesmo eu pudesse deixá-los a solta. Mas qual valor eu estava dando para aqueles montes de papel impresso? Eu não estava lendo! Muito menos escrevendo!
                Ah, Deus! Que frustração. Esse era o meu dom. Um dom que muitos adorariam ter, mas eu era um dos poucos ao meu redor que tinha. E por falar em Deus, onde estava o Valdir saxofonista? O Valdir Violinista? Que tantos dons desperdiçados eram esses?!
                Chorei, pela primeira vez, em muito tempo. Chorei enquanto observava que aquelas estrelas me encaravam como se eu fosse um estranho, uma aberração da natureza. Um jovem exilado que não deu valor aos conhecimentos que adquiriu, às capacidades ganhas, à inteligência considerável, aos amigos mais queridos, e a família única nesse mundo.
                O que eu havia me tornado?
                O que eu me tornei hoje?
                Obras inacabadas, instrumentos embaixo da cama, amizades longínquas e família decepcionada. E o que restou de mim? O que me restou?
                Parece que perdi a fé. Eu não sei muito sobre o significado dessa palavra, mas sinto que a perdi. E não vejo um futuro brilhante. Ao contrário, vejo as poucas luzes ao meu redor se apagarem tão lentamente como as de um abajur, e uma tremenda escuridão no horizonte. Será esse o meu destino?
                O que estou sentindo neste exato momento? Digam-me, estrelas! Porque se eu disser que estou triste, estarei mentindo. Mas se disser que estou feliz, continuarei mentindo. Então, sendo assim, não sou eu o dono da minha própria razão!
                De repente, pude ver as estrelas ficando maiores: Estavam se aproximando da terra. Começaram a cair na velocidade de asteroides. Quando tocaram o solo, explodiram em milhares de pequenas partículas brilhantes, como se fossem purpurinas jogadas ao ar por crianças do ensino fundamental. E o brilho começou a tomar toda aquela área na qual estava. Os gramados se transformaram em nada. Eu já não os via mais. O ambiente ao meu redor havia desaparecido. Agora eu estava em pé, flutuando, e a escuridão absoluta me rodeava. Olhei da direita à esquerda, de cima abaixo, e não conseguia ver um horizonte, um fim para aquela imensidão infinita. Tudo o que eu podia avistar eram pequenas partículas brilhantes passando por mim. O silêncio era ensurdecedor.
                Eu estava no meio do espaço. Sem capacete, roupas de astronauta ou qualquer vestimenta adequada para a ocasião. Continuava a respirar como se o oxigênio das plantas e algas ainda estivesse por perto. Me sentia só. E, de certa forma, estava. Mas não por muito tempo.
                Percebi que constelações começaram a se aproximar de mim de forma lenta – suas figuras eram semelhantes àquelas que conhecemos em revistas e livros, ou desenhos animados -. Uma a uma, cada estrela se transformou em um ser humano: Mulheres, homens, crianças... Eles pareciam estar dormindo, com os olhos fechados. Na verdade, era como se estivessem sonhando profundamente, e não queriam acordar.
                Pude reconhecer o Guilherme, amigo desde a quarta série do ensino fundamental. Ao seu redor, a sua irmã Isabela, sua mãe, seu pai, seus avós... Em uma outra constelação, consegui avistar Rodrigo, meu vizinho e amigo desde a infância, sua irmã e seus pais...
                Nos outros grupos ao meu redor, pude ver a imagem do Ronaldo, Fabinho, da Bia e sua família. Da Aline, Cláudia, Elaine, Thalita... Da Andréia, da Regina, do Fernando, do Noé e sua esposa...
                Comecei a perceber que eram todos os meus amigos, conhecidos, colegas da escola, professores e diretores. Eram todas as pessoas que pela minha vida passaram e, em algum momento, conseguiram marcar suas principais participações, e no que elas me influenciaram a ser quem sou hoje.
                Comecei a sorrir. Aquilo parecia ser um sonho, e com certeza era. Era muito surreal para ser verdade. Mas conseguia passar algo que me fazia refletir, mesmo sem saber sobre o quê.
                - A sua estrela não apagou – a voz atrás de mim disse de modo suave – Você mudou e não é mais o menino que já foi antes. Mas continua sendo o meu filho, e eu sei que você tem um brilho radiante e esplendoroso dentro do seu coração.
                - Maninho – a outra voz disse do meu lado direito – Você tem muitos dons que pessoas da sua idade não possuem. Eles não se foram. Estão ai dentro de você. Basta fazer essa luz brilhar.
                - E ai, tampinha – a voz masculina soou do lado esquerdo – Eu te ensinei muitas coisas sobre a música, mas o dom já estava em você.  E ainda está.
                - Filho – O homem à minha frente disse – Eu já te privei de muitas coisas na vida. Mas todas elas foram para o seu bem. Os seus dons, ninguém irá lhe arrancar. Eu estou aqui. Eu te entendo e, acredite, eu tenho muito orgulho de você.
                Assim como os quatro elementos da natureza, que precisam se unir para manter o controle sobre a terra, as quatro pessoas mais importantes no mundo para mim estavam ali, unidas. Algumas não aceitavam minhas escolhas, outras talvez não acreditassem nas minhas expectativas... Mas todos eles me amavam, e tinham certeza que eu tinha uma luz tão forte quanto a minha determinação, e que eu precisava o quanto antes expulsá-la para fora e fazê-la explodir em inúmeros raios que trariam de volta os meus dons, as minhas virtudes, as minhas vontades, e a minha felicidade.
                - Eu te amo.
                - Eu te amo.
                - Eu te amo.
                - Eu te amo.
                - Você não tem uma estrela, Valdir – uma outra voz soou, mas não pude enxergar sua face – Você é uma estrela, e vai brilhar no momento certo, assim como todos os seus amigos e familiares também hão de brilhar...
                Um vasto clarão tomou aquele imenso infinito. Parecia que cada um estava indo para um lugar diferente: Os seus próprios caminhos.
                As pessoas dizem que cada um tem uma estrela que brilha no céu por nós. Mas, na verdade, nós somos a estrela. Precisamos aprender a fazê-la brilhar, e mesmo que saibamos, ela só irá brilhar no momento certo.
                Os nossos dons não se foram. Eles ainda estão lá dentro, esperando o melhor momento para ser revelados. As nossas escolhas, por mais difíceis e árduas que - muita das vezes – sejam, nos levarão para os nossos devidos propósitos. Algumas pessoas não vão te aceitar, ou criticarão suas determinações. Mas, saiba que somente as suas escolhas, suas determinações e sua aceitação consigo mesmo te levarão a brilhar como uma estrela. E, por fim, você vai sorrir de verdade. E entenderá que temos apenas uma vida para vivermos, e uma vida para sermos felizes.
                O escritor que eu fui ontem, ainda está aqui. O músico que eu fui ontem, ainda está aqui. Posso sentir, eles estão ansiosos para mostrar o quanto amadureceram. Mas eu esperarei o tempo certo para invoca-los. E o tempo certo não é o tempo dos outros...
                É o meu tempo.
                Na verdade, eu não estava deitado sobre o perfeito gramado, nem observando as estrelas brilharem como incríveis luminárias... Eu estava aqui, sentado o tempo todo sobre a cadeira, pensando que já fazia tempo que não escrevia algo, e precisava escrever.
                Então eu comecei, e neste momento, percebo que o tempo que tanto aguardava chegou: O tempo de brilhar novamente.
                E o seu tempo? Chegou?


Fim.


Valdir Luciano, 29/09/2014

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